Acidentes – por Dodô Azevedo

Mostra a história da música, que o Rock and Roll nasceu de uma série de acidentes.

 

Nasceu sem querer.

 

Como tudo o que ótimo nesta vida.

 

“Eu sou um acidente” – me deixou na cabine de DJ, na última sexta-feira, uma moça com camisa da banda Kiss.

 

Escrito num bilhete, num guardanapo.

 

Até agora não sei o que ela quis dizer. Não sei se ela estava pedindo música, não sei se ela estava criticando ou elogiando o set daquela noite.

 

Não sei.

 

Mas essa mania nossa de também querer saber de tudo, e que tudo faça sentido, nos faz sofrer um bocado.

 

Então, deixei pra lá.

 

Afinal, ela está certa. Somos todos um acidente.

 

Às quatro horas da manhã, a noite, as pessoas, a pista, abandonam de vez o contato com o mundo concreto. É uma mágica. Ninguém ali passa a responder mais por si.

 

Os egos ficam dissolvidos – em álcool e no éter da madrugada.

 

Foi nessa hora, na última sexta-feira. Que, como em um passe de mágica, apareceu na pista uma conhecida. Uma pessoa querida que não via há vários anos.

 

Ele veio conversar. Explicou que não sabia o que estava fazendo ali. Que estava tinha saído às 19h para tomar uma cerveja e encontrou, por acidente, uma amiga de infância que, por acidente, estava fazendo aniversário no mesmo dia. Beberam, colocaram a conversa em dia e do nada resolveram ir para o Bukowski, com a roupa do corpo.

 

Me apresentou a aniversariante. Que disse que estava com a roupa do trabalho, que a família dela estava esperando para comemorar num jantar seu aniversário e que nunca iria imaginar que ia acabar comemorando o aniversário dela no Bukowski, lugar que não frequentava também há anos, e ao lado apenas da melhor amiga de colégio, que não via há anos.

 

As duas estavam muito felizes. Dançaram até o amanhecer, comemorando a sucessão de acidentes que as havia reunido no aniversário de uma delas.

 

Se tivessem combinado tudo com antecedência, não teria acontecido.

 

Em homenagem, toquei meia hora de Hendrix.

 

Jimmy Hendrix odiava ensaiar.

 

Jimmy Hendrix odiava combinar coisas com antecedência.

 

Dizia que sua energia no palco vinha da absoluta falta de previsão do que iria acontecer naquela noite.

 

É o que eu passei a chamar de “O Axioma de Hendrix”.

 

Quando você não está no controle da situação é o momento em que você está mais conectado consigo.

 

A noite terminou com a sequência de duas músicas.

 

“She lost control” – Joy Divison

“I dont want control of you” – Teenage Fanclub

 

E gentilmente deu lugar a mais um dia.

 

Como se nunca tivessem combinado antes.

 

O sol raiou como se fosse um acidente.