Cartas do Leitor – Helena.
Era uma sexta daquelas. Eu andava meio desanimada. A liberdade em excesso às vezes me cansava. Todas as oportunidades estavam lá, mas era sexta porra! Eu me senti na obrigação de ficar feliz como o resto da humanidade.
Coloquei uma Rita Lee na vitrola, preparei um banho de rainha pra mim e decidi que aquela noite ia mudar o rumo da minha história. Coloquei meu vestido de ver Deus, bem vermelho. Liguei pra algumas amigas, mas todas estavam com seus namorados, peguetes e afins. “Que se foda! Eu vou sozinha”, pensei. E fui.
O destino era o Bar Bukowski. Disseram que lá a noite não tinha fim, e a minha ideia era justamente essa. Eu queria o mundo inteiro, ainda que eu não tivesse o costume de sair sozinha. Lá era uma casa antiga, imponente, bonita. Cheia de gente perdida querendo se encontrar que nem eu. Eu não sei se vocês ligam pra essas coisas, mas a música que começou a tocar quando eu entrei, foi a trilha perfeita para uma chegada triunfal. Sympathy for Devil dos Stones.
Quando entrei na casa, uma menina que trabalhava lá, desligou uma espécie de alavanca que tinha na parede, sorriu pra mim e disse: “- você não pode entrar no Bukowski, sem antes ligar o foda-se.” Eu nunca tive tanto prazer em ligar alguma coisa na vida. A placa iluminou um foda-se lindo, igual ao que eu estava disposta a dar naquela noite. Fui ao bar, peguei a primeira cerveja. Os atendentes parecem entender sua solidão e do nada viram seus amigos e o melhor, a troca é sincera. Eu gargalhei como nunca, e depois de algumas doses de tequila compartilhada com eles, entre várias cervejas no jardim, tinha chegado a hora de me aventurar na parte de dentro da casa. Era um verdadeiro inferninho. Eu não tinha nada a perder. Então eu fui pra pista. Fechei os olhos e dancei horrores. Tinha muito tempo que eu não ouvia um rock!
Fui fumar um cigarro do lado de fora. A casa tem várias placas escritas com coisas engraçadas e numa delas estava escrito: ”é esquisito, mas eu amo”. Quando eu reparei, tinha um cara procurando alguém com isqueiro ao lado da placa. Fui até ele, ofereci o isqueiro, num ímpeto de coragem absurda. Ele era interessante. Também estava se desafiando naquela noite. Sozinho, com a maioria dos amigos acompanhados. Ele tinha um pessimismo ácido, mas ao mesmo tempo bem humorado sabe? Me identifiquei de cara. Ficamos conversando por horas. Muitas doses. Muitas coincidências. Muito rock. O nome dele era Bernardo.
Ele me perguntou onde eu morava, e o destino é tão doido, que a gente descobriu que morava no mesmo prédio. Eu no 6° andar e ele no 10°. Nunca tínhamos nos visto. Eu não sou de ir em convenção de condomínio, ele também, mas a gente sabia o nome do síndico: Pedro. Eu sou desconfiada por natureza, mas depois dele falar as características do Pedro, não tinha como não acreditar. Foi surreal aquilo tudo acontecendo ao mesmo tempo. Depois de falar por horas e rir de tudo que vocês possam imaginar, fomos até a garagem, a única pista que eu não tinha ido ainda. “- Aqui só toca os clássicos” ele disse, com um ar de quem batia ponto todo final de semana ali. E dançando Suedehead do Morrisey, de olhos fechados como de costume, ele me beijou. E posso falar? Que beijo!
O dia foi amanhecendo, terminamos numa padaria para a saideira. Ninguém queria ir embora, mas pegamos o Uber pra casa. E dessa vez, o mesmo elevador. Desci no meu andar. Ele no dele. No outro dia acordei com o Pedro, me interfonando que tinha uma encomenda pra mim. Deixei o cara da entrega subir. Um buquê de girassol gigante e um convite pra almoçar. Aceitei. E enfim eu encontrei alguém pra virar doses, noites e a vida comigo. Completamos 5 anos de namoro esse ano e o Bukowski é o lugar que a gente mais gosta de ir no mundo todo. Realmente o que acontece no Bukowski, fica no Bukowski, pra sempre.