Noite um.
Um escritor nada mais é do que um DJ de palavras. Como um DJ, o escritor seleciona cada palavra que virá no texto e a que virá depois dela. A que encaixa melhor. A que dá mais ritmo. Por isso, não entendo quando as pessoas estranham ser um DJ um escritor ou vice versa.
Um escritor observa o mundo em busca de inspiração. É ele, antes de tudo, um leitor do mundo. Anda na rua lendo todas as cenas e personagens que vê. Para um escritor, uma pessoa tomando um café num balcão da padaria às 4 da tarde é mais que uma pessoa tomando um café num balcão de padaria às 4 da tarde. O escritor lê o jeito que a pessoa está de pé, ou escorada no balcão, se está com pressa, se está feliz, quais são suas preocupações, seus medos e desejos. Olha pra roupa e lê de onde ela veio, pra onde ela vai.
Um DJ também é um leitor do que acontece na frente dele. Do que acontece na pista de dança. O DJ está o tempo inteiro lendo as pessoas na pista. Se estão felizes, com pressa, quais são seus medos e desejos. O DJ, como escritor, observa os mínimos detalhes da roupa e do comportamento de quem dança e lê de onde ela veio, pra onde ela vai.
Então o melhor lugar para um escritor estar é na cabine do DJ.
Tudo acontece em uma pista de dança. Todo o drama e toda a comédia humana ali, pronto para ser observado pelo escritor, pelo DJ, entre sombras e luzes piscantes.
Pois não há momento onde alguém fique mais exposto, ou exponha quem é com maior sinceridade, mesmo que involuntária, do que quando está dançando.
Para um bom observador, dá para saber tudo sobre a pessoa, até se ela está com nome sujo no SPC, pela forma que ela dança.
Um DJ vê, toda semana, pessoas entrarem e saírem da pista de dança. Um DJ vê amizades e amores começarem e terminarem relacionamentos na pista, acompanha por meses a dinâmica dos casais e a saga dos solteiros. Por noite, não acontece apenas uma, mas várias histórias em sua pista de dança.
E são estas histórias que, semanalmente, irei contar aqui.
Nada combinado. Toda sexta-feira eu recebo vocês, dançamos até de manhã e no dia seguinte escrevo a história mais interessante daquela noite. Sem dar nomes, sem dar números.
Às vezes, contarei histórias longas. Mas não hoje. Gastei palavras demais contando o que vai acontecer aqui no blog do Bukowski toda a semana. Hoje a história é curta.
Aconteceu às três horas da manhã da última sexta-feira, minha estreia como residente da pista debaixo do Bukowski. Um casal apaixonado brigou na minha frente. Bêbados. Ele saiu da pista, puto da vida. Achou que ela iria atrás. Ela continuou dançando, sorrindo. Ele voltou para a pista, gesticulando algo como “você tem certeza que não quer ir atrás do namorado?”. Ela ficou. Ele foi embora mais puto ainda. Ela veio até mim pedir música. Eu perguntei se estava tudo bem com ela e o namorado. Embora não os conhecesse, havia simpatizado com eles.
Havia simpatizado com a forma deles de dançarem David Bowie.
Ela, então, respondeu, sorrindo:
– O amor tem que ser um conforto, não um castigo.
E voltou sorrindo pra pista. E dançou leve até de manhã.
Shakespeare diz que a vida é uma peça de teatro. Machado de Assis diz que a vida é uma ópera. Jorge Luis Borges diz que a vida é uma biblioteca.
Para mim, a vida é uma pista de dança.
Nos vemos, dançamos e bebemos na próxima na sexta-feira.
Porque o fim de semana na pista com bebida é como o amor.
Sexta à noite um conforto, sábado de manhã um castigo.